Tudo pode ser uma questão de perspectiva

Ela já amou um dia. Muito. Mais do que imaginou um dia amar. Descobriu-se feliz por isso, pois achava que a melhor parte da vida havia sido a infância. Mas viu que ser adulta e viver ao lado de quem amava dava um novo sentido à vida que ela já gostava antes. Amou mais ainda.
Apenas foi.
De repente, estava privada de tudo o que imaginava ser tão importante para ela quanto sua própria vida.
Não podia mais usar todo aquele carinho que estava dentro dela (e lá dentro havia muito, muito mais).
Era um carinho diferente dos outros, que ela achava ter endereço certo para toda uma vida, e não podia mais usar...
Não podia mais dormir ao lado do amado, tinha toda aquela grande cama só para ela, o que doía à noite e pela manhã.
Desfez-se da cama. O cheiro dele ainda era muito presente ali. Doeu-lhe ter de demolir o pouco que haviam construído juntos, e que ele deixara com tão pouco caso onde ambos moravam até poucos dias antes.
Cada peça de roupa, cada lembrança... Tudo doía como um luto.
Decepções ainda piores vieram. Muito mais dor do que ela pensava um dia ter.
O tempo passou. Não que isso servisse de consolo...
Mas não amou mais ninguém. Não sabia se era por ter endurecido o coração, ou por não ser mais capaz... Mas aquele carinho todo estava ali, aflorando. A cada vez que vinha, ela dava um jeito de apagá-lo, jogá-lo fora, esquecê-lo prestando atenção a outras coisas menos importantes.
Até um dia em que o carinho transbordou, de tão preso por tanto tempo. E ela teve que deixá-lo sair. Não mais mandava no sentimento, ou era capaz de refreá-lo.
– Mas para que serve, se estou sozinha? Não estou apaixonada e acho que não quero ficar...
E num desses dias em que acordava inquieta com aquele sentimento, num final de semana, resolveu espairecer. Foi caminhar. Uma chuva fina a obrigou a entrar num shopping próximo.
Algo mudou.
O sentimento falou mais alto ainda. Mas já não era aquele de antes, de anos. Era outro.
Sentiu-se viva como não se sentia por muito tempo. Anos, para falar a verdade.
De repente, ela percebeu que estava, sim, apaixonada. Porém, concluiu logo em seguida, não era exatamente uma paixão. Era mais, bem mais. Ficou feliz de poder expressar aquele sentimento que achava estar morto...
E o objeto de tanto carinho estava ali, à sua frente.
Viu seu próprio sorriso, que o reflexo na vitrine de uma loja lhe devolvia.
Admirou-se sinceramente, sorrindo de forma espontânea. Estava feliz com o que constatou.
Acordou do longo pesadelo.
Descobriu que se amava de verdade, pela segunda vez na vida, mas de uma forma diferente... Não procurava isso em outra pessoa. Estava bem.
Assim, era capaz de amar de novo alguém.
Só que do jeito certo.
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