Quando o melhor fica para o final

Ele chegou em casa após um dia cheio. Ela não chegara ainda, apartamento vazio e silencioso, tudo apagado. Tomou um banho bem demorado, vestiu algo bem confortável. Foi à cozinha e viu a despensa quase vazia. A geladeira, idem.
Apenas duas fatias de pão integral e algumas fatias de frios, umas três folhas de alface e duas rodelas de tomate num pequeno pote plástico. “Ah, ali na caixinha há leite suficiente para um copo de chocolate gelado.”
Caprichou no improviso. O copão de chocolate geladinho batido no liquidificador, espumante. O sanduíche, embora simples, delicioso. Foi para o sofá macio da sala, sob apenas a luz do abajur. Não ligou tevê nem som, queria curtir o silêncio. O lanche merecia exclusividade. Começou a comer o sanduíche pelas beiradas, mordendo primeiro a casquinha do pão, deixando o miolo para depois.
“O melhor deve ficar para o final”, pensou.
Finalmente, o pão todo sem a casquinha. Só o miolo macio e o sabor dos frios defumados e da saladinha bem temperada. Sorriu com um daqueles sorrisos que só as coisas mais simples conseguem pôr no rosto da gente. Ia dar a primeira mordida na melhor parte.
Barulho de chave girando na porta. Ela entra com a expressão cansada, ainda assim linda como sempre. Deixa a bolsa no aparador fica em pé a meio caminho do sofá.
Veja também:
- Oba! Sanduíche! Estou cheia de fome. Vou fazer um também!
E ia entrar na cozinha. Ele olhou para o pão em suas mãos...
- Hmmm, amor... Não tem mais nada aí...
Ela fez muxoxo, deu de ombros e foi sentar-se ao lado dele.
- Pode pegar esse pra você. Eu já comi um pouco, mas tudo bem!
- Não, amor... Pode terminar, que é isso!
- Come, amor! Olha como está gostoso!
Ela comeu, saboreando cada mordida (“Está gostoso mesmo!”). Comeu tudo, limpou a boca com o guardanapo, no qual deixou também um restinho de batom. Ele esticou para ela o copo com o chocolate (tinha dado só uns dois goles), que ela tomou todo, lambendo o bigode de leite que ficou no lábio.
Olhou pra ele, ajeitou os cabelos molhados do marido, passando-os por trás das orelhas.
A moça deu-lhe um beijo. Um daqueles beijos de selinho, mas demorados, com um suspiro junto.
Ficou olhando bem nos olhos dele. Levantou-se e foi em direção ao quarto. Entrou, mas voltou, pôs a cabeça para fora da porta e deu um sorriso para o marido que só quem ama sabe dar, os olhos cansados, mas brilhando mesmo à luz baixa e longe do abajur. Sumiu de novo porta adentro. Mas seu sorriso permaneceu, de algum modo.
Ele, no sofá:
"É... O melhor deve mesmo ficar para o final..."
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